Sozinho na noite que cobriu com seu manto a claridade fulgurante de um belo dia ensolarado, a tristeza fez morada em meu peito, apertando meu coração.
Sentindo a proximidade do final de minha peregrinação nesta terra, senti a necessidade de fazer um balanço de minha pobre e estéril vida.
Uma vida que pouco construiu, que pouco amou, que pouco ajudou, que quase nada fez de bom. Com a certeza de que nada existiria além desta caminhada terrena me fiz deserto para os outros e um oásis para mim mesmo.
Mas um oásis que nunca saiu de si, que nunca se preocupou em emprestar sua água, sua sombra e suas árvores a quem delas precisasse. Um oásis que, apesar de poder saciar a sede dos passantes, preferiu guardar a água para si mesmo, sem perceber que, quanto mais se tira água da mina, mais ela produz.
Sem perceber que os frutos devem ser colhidos das árvores para que elas possam frutificar ainda mais. E que quanto mais se cuida das árvores e quanto mais se se aumenta o pomar, mais frutos e sombra teria.
E que os frutos e a sombra poderiam saciar os passantes e fazer deles também construtores deste oásis. Fazer este oásis vencer o deserto, vencendo a fome e a sede de muitos mais.
Mas não, ali muito poucos entravam, muito poucos podiam saciar sua sede e sua fome. E estes poucos eram vistos com certa desconfiança, pois poderiam acabar com meu oásis.
E nessa noite, sozinho com meus pensamento, fiquei a pensar se o fim dessa caminhada seria o fim de tudo. Simplesmente viraria pó e estaria tudo acabado!
Se assim for, quem se lembrará de mim? Quem irá lamentar minha partida? Quem chorará sobre meu corpo inerte?
Com certeza ninguém! Os poucos que admiti adentrarem meu oásis, certamente perceberam meu egoísmo, minha precaução, minha desconfiança! E, certamente, nem eles lamentariam minha partida.
E, de repente, um estalo nos meus pensamentos!
E se esse pessoal que acredita numa vida depois da morte estivesse certo? Se houvesse uma vida eterna depois de nossa passagem pela Terra? E se essa vida dependesse dos méritos alcançados aqui na Terra?
Se esta vida após a morte terrena existisse, será que eu a mereceria? Certamente que não!
Então me lembrei de uma história que ouvia no meu tempo de criança, quando minha mãe me obrigava a frequentar aulas de catecismo (ela era uma católica fervorosa).
Dizia a catequista que um homem chamado Jesus passara a vida fazendo o bem, lutando pelos pobres e excluídos, criticando os poderosos da época, que só pensavam em si mesmos, deixando a povo morrer à míngua.
Por isso, este homem, que se dizia filho de Deus, foi condenado à morte, a ser crucificado em praça pública, para servir de exemplo aos seus seguidores.
Me lembro que nesta história, o tal Jesus foi crucificado entre dois ladrões que também foram crucificados. Um deles, apesar de pendurado na cruz, zombava de Jesus, pois se ele era filho de Deus, poderia se salvar.
O outro ladrão censurou seu comparsa, dizendo que eles dois sim, mereciam o castigo, mas que Jesus não, era um justo pagando por ser bom. E pediu a Jesus que se lembrasse dele depois da morte.
E Jesus lhe teria dito: – Hoje mesmo estarás comigo no paraíso!
Relembrando essa história, fiquei pensando: Para onde iria o ladrão gozador? Se o paraíso existe, seu oposto também existirá! E é para lá que ele irá! Mas, o que é esse oposto ao paraíso?
Me lembro que a professora de catecismo falava em inferno, em fogo que não se acaba, em lugar de tormentos sem fim!
E, sozinho nessa noite, depois de fazer o balanço de minha vida, depois de descobrir que a minha vida foi de uma esterilidade sem fim, percebi que, se a vida depois da morte for uma realidade, eu jamais conhecerei o chamado Paraíso, pois meu destino não poderá ser outro que não um lugar de tormentos sem fim. E isso será eterno!
E eu que não acreditava em nada destas coisas de religião me pus a chorar e entre soluços clamei: – Meu Deus, sei que não mereço perdão, sei que padecerei no fogo do inferno, mas, Senhor, me perdoe. Sei que não me resta muito tempo, não me resta tempo para consertar meus erros, mas me perdoe.
Não sei rezar, mas continuei nesta ladainha de pedir perdão por muito tempo, entre lágrimas e soluços, até que adormeci.
O dia amanheceu lindo e ensolarado e só então pude perceber a beleza de um mundo que eu desconhecia. Estou enxergando a vida de maneira completamente diferente.
Não sei quanto tempo me resta, mas sei que não é muito, mas vou dedicar este pouco tempo em fazer o que jamais tinha conseguido: Vou amar as pessoas, vou olhá-las não com desconfiança e receio, mas sim com amor, pois nesta noite descobrir que este amor depende de minha vontade. No pouco tempo que me resta desta caminhada terrena, vou abrir meus oásis, dar água a quem tem sede, frutos a quem tem fome e sombra a quem está cansado.
Não sei se terei tempo de corrigir tudo o que fiz de errado até agora, mas não importa. Ainda que não mereça o Paraíso, pra onde eu for estarei feliz e em paz comigo mesmo. E espero que também com Deus!
AGN