Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM – Sobre a Igreja
A Luz dos Povos, a luz das gentes!
LG – Ficha 01 – Introdução e o Mistério da Igreja
Introdução
Sem sombra de dúvidas, a Lumen Gentium (LG) é um dos documentos mais importantes do Concílio Vaticano II, pois trouxe aos leigos e leigas, e à própria Igreja enquanto Instituição hierárquica – conhecida e respeitada no período pré-conciliar como uma “sociedade perfeita fora da qual não existe salvação” – uma nova imagem da Igreja como “Povo de Deus”, formada por todos os batizados em Cristo, e com Ele transformados em um Reino de sacerdotes para Deus. Sacerdotes, profetas e reis que, independentemente do sacerdócio comum ou do sacerdócio ministerial, participam do Sacerdócio único de Cristo (Heb 5,1-10).
Pelo conteúdo e pelas profundas implicações para o futuro, a elaboração e a votação da LG foram um tanto conturbadas e muito discutidas. Ao texto inicial, elaborado em quatro capítulos, foram apresentadas cerca de quatro mil emendas, o que resultou em sua alteração para sete capítulos, originando a primeira Constituição Dogmática deste Concílio. O Frei e depois Bispo, Boaventura Kloppenburg, na Introdução Geral dos Documentos do Concílio afirma que, tal como a Dei Verbum, a Lumen Gentium é dogmática porque “teve a intenção formal de ensinar, propor doutrinas e mesmo doutrinas novas” [1]. Com o texto consolidado, o Documento foi aprovado e solenemente promulgado pelo Papa Paulo VI em 21/12/1964, porém a novidade deste Documento provocou, e provoca até hoje, uma certa dificuldade de aceitação dentro da própria Igreja.
A LG está dividida em 8 capítulos: I – O Mistério da Igreja; II – O Povo de Deus; III – A Constituição Hierárquica da Igreja e em especial o Episcopado; IV – Os leigos; V – Vocação Universal à Santidade na Igreja; VI – Os Religiosos; VII – A Índole Escatológica da Igreja Peregrina e sua União com a Igreja Celeste; e VIII – A Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no Mistério de Cristo e da Igreja. Neste estudo, eles serão tratados em cinco Fichas assim nomeadas: I) Introdução e O Mistério da Igreja; II) O Povo de Deus; III) Uma Igreja Ministerial; IV) Vocação à santidade e índole escatológica da Igreja; V) A Bem-Aventurada Virgem.
Capítulo I – O Mistério da Igreja
O primeiro capítulo da LG aborda o Mistério da Igreja, afirmando que “Cristo é a luz dos povos” cuja claridade resplandece na face de uma Igreja que se mostra em Cristo, ao mundo, como sacramento ou sinal, e também como instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano. “E, retomando os ensinamentos dos Concílios anteriores, ela deseja oferecer aos seus fiéis e a todo o mundo, um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão universal” (LG1). Ao expor que “as presentes condições do mundo tornam ainda mais urgente este dever da Igreja, a fim de que todos os homens… alcancem também a unidade total em Cristo”, a LG assume a necessidade de dialogar com a modernidade, com as demais confissões cristãs e com as religiões não cristãs.
Aborda também o Plano Divino para a salvação, pela bondade, sabedoria, e vontade livre e insondável do Pai Eterno ao criar o mundo, decidindo elevar os homens à participação da sua vida divina, não os abandonando quando pecaram em Adão, mas sempre lhes proporcionando auxílios necessários para se salvarem, na perspectiva de Cristo Redentor, Aquele que cumprindo a vontade do Pai Eterno em plena obediência aos seus desígnios, instaurou na Terra o Reino dos Céus cujo mistério nos revelou e consumou a redenção resgatando o gênero humano, oferecendo a salvação (LG2).
A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo, já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Ela é parte do plano de salvação de Deus. Ela não é nossa, é de Deus. Sua missão é ser o lugar, o espaço, a comunidade onde a humanidade pode encontrar Deus em Jesus Cristo e ser santificada no seu Espírito Santo. Por isso, a Igreja, preparada pelo Pai, fundada pelo Filho e continuamente santificada pelo Espírito, é semente do Reino de Deus que nela já atua misteriosamente. É nela que se experimenta, de modo mais intenso, o Reino trazido por Jesus!
Tal começo e crescimento da Igreja, são expressos no Sangue e na Água que brotaram do lado aberto de Jesus crucificado (Jo 19,34), e anunciados nas palavras do Senhor acerca da Sua morte na cruz: «Quando Eu for elevado acima da terra, atrairei todos a mim» (Jo, 12,32). Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, na qual «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1Cor 5,7), realiza-se também a obra da nossa redenção. Pelo Sacramento do Pão Eucarístico, ao mesmo tempo, é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que «constituem um só corpo em Cristo» (1Cor 10,17). Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos (LG3).
Consumada a obra confiada ao Filho, Deus envia o Espírito Santo para santificar a Igreja que nascia, para assim dar acesso aos crentes até o Pai, por Cristo, num só Espírito. Pelo Espírito da vida, fonte que jorra para a vida eterna, o Pai dá vida aos homens mortos pelo pecado, até que um dia ressuscitem em Cristo seus corpos mortais. Este Espírito que habita na Igreja e no coração dos fiéis, como num templo, leva a Igreja ao conhecimento da verdade total, unificando-a na comunhão e no mistério, dotando-a e dirigindo-a com os diversos dons hierárquicos e carismáticos, embelezando-a com seus frutos e rejuvenescendo-a com a força do Evangelho (LG4). Enriquecida pelos dons de seu Fundador, a Igreja recebe a missão de anunciar e estabelecer em todas as gentes, o Reino de Cristo e de Deus, se constituindo, ela própria, na Terra, o germe e o início deste Reino.
O mistério da Santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a Boa Nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc 1,15; Mt 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo (LG5).
A Igreja nos dá a conhecer sua natureza íntima, servindo-se das várias imagens vislumbradas na Sagrada Escritura: como redil, cuja única e necessária porta é Cristo (Jo 10,1-10); como rebanho, do qual o próprio Deus é Pastor em Cristo (Jo 10,11; 1Ped 5,4); como lavoura ou campo de Deus (1Cor 3,9), onde cresce a oliveira antiga, cuja raiz santa são os patriarcas e da qual se obteve e se completará a reconciliação dos judeus e dos gentios (Rom 11,13-26); como construção de Deus (1Cor 3,9), na qual Cristo se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e que se tornou a pedra angular (Mt 21,42); e, ainda, como Jerusalém celeste e Nossa Mãe (Gál 4,26) descrita no Livro do Apocalipse (19,7; 21,2.9; 22,17) como a “Esposa Imaculada” do “Cordeiro Imaculado” (LG6).
Refere-se, ainda, como Corpo Místico de Cristo (1Cor 12,13) cuja Cabeça é o próprio Cristo e cujos membros são seus filhos configurados com Cristo pelo Batismo, formando o corpo da Igreja. Entre os membros existe a diversidade de funções, e esta diferença provém dos dons do Espírito Santo que os distribui conforme as necessidades da Igreja para formarem um corpo único, assim como o corpo humano, cujos membros devem se conformar com a Cabeça, que é o Cristo Senhor, imagem do Deus invisível (LG7).
Cristo como mediador único, constitui e sustenta indefectivelmente [2] a sua Igreja Santa sobre a terra, como organismo visível, comunidade de fé, de esperança e de amor e, por meio dela, comunica a todos a verdade e a graça (presença de Deus nos homens). No entanto, esta Igreja é uma sociedade dotada de órgãos hierárquicos, além de ser também o corpo místico de Cristo; é uma assembleia visível e uma comunidade espiritual. A Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não devem ser consideradas como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino. É, portanto, ao mesmo tempo uma Igreja visível e espiritual, que continua seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, anunciando a cruz e a morte do Senhor, até que Ele venha e se manifeste em luz total na Parusia [3], final dos tempos (LG8).
Para refletir:
- Sendo Jesus Cristo a Luz dos povos, em que perspectiva a Igreja pode também ser assim chamada (Luz dos povos)?
- Partindo do pressuposto que a Lumen Gentium nos proporcionou uma nova visão da Igreja e de seu relacionamento com o mundo, a você parece importante ou necessário que ela seja conhecida, difundida e estudada? Após este estudo sobre a Constituição Lumen Gentium, o que você destaca de importante para a vida dos fiéis e da Igreja, e por quê?
- Das várias imagens da Igreja que a Lumen Gentium nos apresenta, qual delas melhor a identifica para você e por quê? Você acrescentaria alguma outra imagem com a qual a Igreja pudesse ser apresentada?
E-Referências:
- Costa, Henrique Soares da, A Lumen Gentium
- CNLB, Igreja Mistério
[1] Kloppenburg, B., Introdução Geral aos Documentos do Concílio, Compêndio do Vaticano II, 1968, Ed. Vozes, 4 ed. p. 17.
[2] Indefectivelmente – Que não pode falhar ou deixar de ser: apoio indefectível. Certo, infalível.
[3] Parusia – Segunda vinda de Cristo; termo usualmente empregado com a significação religiosa da “volta gloriosa de Jesus Cristo, no final dos tempos, para presidir o Juízo Final” (Dn 7,13-14; Mt 24,29-31). Fonte: Wikipédia – Para mais informações: Eucaristia é Parusia e Parusia – A Segunda Vinda de Cristo
Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM – Sobre a Igreja
A Luz dos Povos, a luz das gentes!
LG – Ficha 02 – O Povo de Deus
O capítulo II da Constituição Lumen Gentium (LG) é dedicado à definição da Igreja como ‘Povo de Deus’, cuja noção básica reside no sacerdócio comum dos fiéis e não mais exclusivamente na hierarquia. Nesta nova concepção eclesial destaca-se o aspecto teológico da Igreja no qual, sob a ótica da fé, todos são iguais, porém, com funções diferenciadas; e não somente o aspecto jurídico que reconhece apenas o clero como Igreja.
Na eclesiologia, a nova concepção causou uma verdadeira revolução, pois o conceito dominante de Igreja, desde o Concílio de Trento como “sociedade perfeita e hierarquizada”, passou para um modelo circular e aberto ao mundo, como Sacramento e instrumento de Deus que se entende na unidade com todo o gênero humano.
É de fundamental importância lembrar que o conceito Povo de Deus inicia-se com Abraão que sai de Ur com destino à terra que Deus lhe indicou. E, a partir de Abraão, Deus escolhe Israel como seu povo, instruindo-o gradualmente, manifestando-Se, revelando-Se a Si mesmo e os desígnios de Sua vontade na História, e santificando aquele povo para Si; depois Deus, com Moisés e Josué, conduz seu povo para libertação, para a Terra prometida, e é por causa deste Povo que Ele deixa de castigar Israel quando alguns pecaram. Tudo aconteceu como preparação e prefiguração da Nova e perfeita Aliança que seria selada em Cristo, Seu Filho Jesus, para redimir definitivamente seu Povo, na plenitude dos tempos, entregando-Se em sacrifício perfeito para a salvação de toda a humanidade (LG9).
Cristo, ao estabelecer esse novo pacto, formou com os judeus e com os gentios, um povo segundo o Espírito, constituindo assim, o novo Povo de Deus. Os que creem em Cristo, renascidos no Batismo, constituem “a estirpe eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo conquistado… considerado como Povo de Deus” (LG9).
Embora diferentes, essencialmente entre si e não apenas em grau, o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial hierárquico ordenam-se um para o outro, mutuamente, pois ambos participam, cada qual a seu modo, do sacerdócio único de Cristo. Nos Sacramentos e na prática das virtudes, o povo de Deus exercita o sacerdócio comum de várias formas, de acordo com seus dons e carismas, participando também da missão profética de Cristo, dando testemunho vivo d’Ele, especialmente pela vida de fé e caridade, oferecendo a Deus o sacrifício do louvor, fruto dos lábios que glorificam o Seu nome (LG9).
“Cristo Senhor, Pontífice tomado de entre os homens, fez do novo povo um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai”. Pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, os batizados consagram-se para ser edifício espiritual e sacerdócio santo, com a incumbência de ser testemunhas de Cristo e levar ao mundo a esperança que possuem na vida eterna (LG10).
A LG indica que o senso da fé (consenso universal a respeito da fé e dos costumes) é construído pelo conjunto dos fiéis sustentado pelo Espírito Santo, pela palavra de Deus e sob a direção do Magistério. Este mesmo Espírito “distribui individualmente e a cada um, conforme entende, os seus dons” (1Cor 12-11) e as suas graças especiais aos fiéis de todas as classes, tornando-os aptos a assumirem os diversos encargos e ofícios úteis à renovação e maior incremento da Igreja. Assim, os ministérios leigos não decorrem da insuficiência de presbíteros, mas sim porque todos os batizados, em razão do sacerdócio comum, são ministros de Deus, responsáveis diretos também pela Igreja e pela evangelização. Não nos esqueçamos de que o termo “Igreja”, na sua origem se refere à “assembleia dos escolhidos” e esta é a ideia que a LG retoma da Igreja primitiva (LG12).
Todos os homens são chamados a participar do novo Povo de Deus, dilatando-o até os confins do mundo inteiro e em todos os tempos, para cumprir os desígnios de Deus, que decidiu congregar na unidade todos os seus filhos que andavam dispersos. Assim, Povo de Deus é estendido a todos os povos da terra, aos quais o Espírito Santo inspira o princípio da comunhão e da unidade. Por força desta universalidade, cada parte contribui com os seus dons peculiares para as demais e para toda a Igreja, de modo a crescerem pela comunicação mútua e pelo esforço comum em ordem, a fim de alcançarem a plenitude na unidade.
Este novo Povo de Deus não está restrito aos fiéis católicos, mas se estende para os irmãos cristãos não católicos, os quais veneram a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, e manifestam sincero zelo religioso; e se estende também aos não cristãos que, embora não tenham recebido ainda o Evangelho, estão destinados, a fazer parte do Povo de Deus que se revela a toda humanidade de modos e formas diversas, os quais não nos é lícito questionar, mas sim aceitar e acolher, buscando a unidade na diversidade destas manifestações (LG14,15 e 16).
Na América Latina, especialmente na Conferência de Medellin (1968) e depois de Puebla (1979), a LG foi entusiasticamente recepcionada e não se poupou esforços para colocá-la em prática, empenho que se consolidou depois, nas demais Conferências. Mas é especialmente nas duas primeiras que se observa a acolhida da concepção eclesiológica de “Igreja Povo de Deus”. Ao laicato, de modo especial, se dirigem as Conferências Latino-americanas, culminando com a Conferência de Aparecida (2007), nos exortando ao cumprimento da “Missão Continental”. Não se pode deixar de citar, no sentido do protagonismo dos leigos, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifidelis Laici, que nos amplia o horizonte de atuação do laicato.
A LG contribuiu para fortalecer as comunidades eclesiais de base (CEBs) que se reúnem nos mais diversos e distantes lugares, mesmo sem a presença dos presbíteros. Disso exigiu-se a formação dos chamados Ministérios Leigos no interior das comunidades e, especialmente, fora delas. Aos poucos cresce a consciência de que a presença dos leigos no mundo é a presença da Igreja. Nesta perspectiva, a LG fornece a fundamentação teológica para a Gaudium et Spes (Alegrias e Esperanças – sinais da Igreja no mundo), Constituição Pastoral que não pode ser dissociada da primeira LG.
O caráter missionário da Igreja, que surge da obediência ao mandamento de Cristo: “Ide, pois, ensinai todas as gentes…” (Mc 16,15) se estende a todo Povo de Deus que assume, com Paulo, este múnus decorrente do sacerdócio régio comum e do profetismo recebido no Batismo: “Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16). Cabe, portanto, ao Povo de Deus – clero, religiosos e laicato – assumir junto e na Igreja, por força de seus dons e carismas próprios, a missão de evangelizar e levar aos confins da terra a Boa Nova de Jesus, e construir, no aqui e agora de nosso chão, o verdadeiro Reino de Paz e de Amor, o Reino dos Céus, o Reino de Deus que Jesus iniciou com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição (LG 17).
Para refletir:
- Na sua comunidade existem pessoas que conheceram a Igreja pré-conciliar? Existe, ou se descobriu, alguma diferença entre a Igreja pré-conciliar e a atual Igreja Povo de Deus?
2, No seu modo de ver e viver Igreja, o que o novo conceito “Povo de Deus” provocou de positivo na vida comunitária?
- O que se pode entender por este “Novo” Povo de Deus? E como se pode buscar a unidade proposta pelo Concílio Vaticano II?
E-Referências.
Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM
LG – Ficha 03 – Uma Igreja Ministerial
Esta terceira ficha, nomeada ‘Uma Igreja Ministerial’, aborda os capítulos III, IV e VI da LG, respectivamente, a ‘Constituição Hierárquica da Igreja, ’Os Leigos’, e ‘Os Religiosos’. A partir da intenção do capítulo II – O Povo de Deus – estudado na ficha precedente, entende-se que a distribuição dos referidos capítulos foi metodológica, e que a Constituição não deseja distinguir uma Igreja clerical de outra laical, mas, sim, mostrar que ela é toda ministerial, distinguindo apenas as diferentes funções na forma de servir aos irmãos como ao próprio Senhor, pois, segundo o Evangelho, é maior aquele que mais serve (Lc 22,26), justificando o título da ficha.
No capítulo III, dedicado à ‘Constituição Hierárquica da Igreja’, a LG busca a fundamentação bíblica e teológica para explicar o Sacramento da Ordem, realçando a função do episcopado (Bispos), pois, sobre a vida e os ministérios dos presbíteros (Sacerdotes), o Concílio dedica um documento próprio: o Decreto ‘Presbyterorum Ordinis’.
Cristo instituiu a Igreja e os vários ministérios destinados ao bem do seu Corpo Místico como um todo. Instituiu em Pedro o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade de fé e comunhão, constituindo o Apóstolo como seu líder, enviando-o com os demais para cumprir a missão de evangelizar todos os povos até os confins da terra (LG 18). Missão, esta, que pode ser cumprida após o Pentecostes, ocasião em que o Espírito Santo distribuiu vários dons e carismas aos Apóstolos e discípulos e, ao longo do tempo, aos seus seguidores, os novos evangelizados (LG 19); e que continua até o fim dos séculos, pois a mensagem do Evangelho foi, é e será o princípio de toda a vida da Igreja, através dos tempos.
A distribuição de ministérios de serviços é narrada em Atos dos Apóstolos (6,2-6; 11,30; 13,1; 14,23; 20,17) mostrando a instituição dos graus da ordem: episcopado, presbiterato e diaconato. Assim entende-se que, da mesma forma como Pedro presidia na Igreja nascente o grupo dos Apóstolos, também a Igreja tem no Sumo Pontífice Romano, aquele que a preside como sucessor de Pedro e que está intimamente unido aos demais Bispos do mundo inteiro, formando o Colégio Episcopal. Na pessoa do Bispo, assistido pelos presbíteros e diáconos, é o próprio Senhor Jesus Cristo, o Pontífice Supremo, que está no meio dos fiéis e permanece caminhando com o seu povo (LG 20).
A missão do Bispo se constitui em ensinar todas as gentes a pregar o Evangelho a toda criatura; em santificar através da administração dos sacramentos, principalmente da Sagrada Eucaristia; e também em governar através da ação pastoral e administrativa (LG 21-27), para as quais conta com a colaboração dos presbíteros e dos diáconos, a quem confia legitimamente o cargo de seu ministério pelo Sacramento da Ordem (LG 28/29).
Com o Vaticano II, os Bispos se aproximaram muito do povo e assumiram, explicitamente, a vida pastoral em suas dioceses. Especialmente na América Latina, as Conferências Episcopais pós Concílio deram um novo impulso pastoral, e no Brasil, igualmente, a CNBB empenhou-se em fortalecer a unidade episcopal e traçar linhas organizativas da pastoral na Igreja. Significativo também foi a ação individual de alguns Bispos que empenharam seu ministério para implantar as orientações do Concilio e tornar a Igreja mais servidora.
No capítulo IV, a LG se dedica ao estado dos fiéis que são denominados leigos, homens e mulheres que se dispõem a assumir o ser Igreja em funções eclesiais e no mundo. O Documento deixa claro que, dos diversos ministérios da Igreja, boa parcela está destinada ao laicato, e explicita: Os Bispos reconhecem que não foram instituídos para sozinhos assumirem toda a missão quanto à salvação do mundo, e quanto os leigos, com suas atribuições e carismas, contribuem para o bem de toda a Igreja, de tal maneira que cada um, a seu modo, coopera unanimemente na tarefa comum” (LG 30).
A LG cuidou de definir quem são os leigos para a Igreja: “os fiéis que, por haverem sido incorporados em Cristo pelo Batismo e constituídos em Povo de Deus, e por participarem a seu modo do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete, a missão de todo o povo cristão”. De forma que, na diversidade dos ministérios, formam um só e único corpo (LG 31-34).
O apostolado do leigo se dá no mundo secular, naqueles lugares em que a Igreja, só por meio deles, pode se fazer sal da terra. Consagrados a Cristo no Espírito Santo, possuem uma vocação admirável e são dotados de capacidade para que o Espírito produza neles frutos sempre mais abundantes, através de seu modo de vida e de seu testemunho nas estruturas humanas (LG 35-37). Pode-se ler nas entrelinhas da LG que a Igreja reconhecia que, somente através dos leigos e leigas, ela seria capaz de se renovar internamente e se efetivar como presença no mundo. E isso foi comprovado, pois, a aplicação do Concilio, no interior da Igreja, apesar de conduzida pelo clero, só foi possível graças à presença de leigos e leigas na maioria dos organismos pastorais.
O documento considerado mais significativo sobre a atuação dos leigos, publicado vinte anos após o Concílio Vaticano II, em 30/12/1988, é a Exortação Apostólica de João Paulo II, ‘Christifideles Laici’ (CfL) – Os fiéis leigos – Sobre a vocação e missão na Igreja e no mundo, que realça a importância dos leigos na Igreja não como ‘agricultores que trabalham na vinha, mas como parte dessa mesma vinha: “Eu sou a videira, vós os ramos”, diz Jesus (Jo 15, 5) (CfL 8). Esta afirmação realça que a índole secular da vocação leiga é teológica e não apenas sociológica, pois na presença do leigo ou leiga no mundo pode se contemplar a presença da Igreja (LG 31). Ele apresenta, também, que a função do leigo no mundo é promover a dignidade da pessoa, venerar o inviolável direito à vida e lutar por uma sociedade livre para invocar o nome do Senhor (CfL 37-40), e que o empenho para a existência de uma sociedade justa deve começar na família, na promoção da caridade através da solidariedade e na participação política; e coloca o ser humano no centro de todas as relações, como um desafio, principalmente as político-econômicas e a evangelização das culturas (CfL 40-44).
Na América Latina as Conferências do CELAM deram grande destaque aos Ministérios Leigos e, especialmente, a Conferência de Puebla dedicou setenta e dois parágrafos para refletir sobre a presença do leigo e leiga na Igreja e no mundo. Destes, dezessete dissertaram sobre as mulheres, reconhecendo que elas são maioria nas comunidades, cuja presença tende a crescer. Uma realidade prática se comprova na maioria das CEB’s onde os leigos e, especialmente as mulheres, animam e assumem os mais diversos ministérios, ainda que não oficialmente.
No Brasil, por ocasião dos 10 anos da publicação da ‘Christifideles Laici’, a CNBB lançou, em 1999, o Documento 62 – “Missão e Ministérios dos cristãos leigos e leigas”, que pode ser visto como uma explicitação da Exortação Apostólica que, por sua vez, despertou a criação de Conselhos de Leigos em muitas dioceses e o desenvolvimento de belos trabalhos. Da mesma forma, o Documento de Aparecida, de 2007, ao insistir na grande missão latino-americana, abre um grande espaço para a participação dos leigos na Igreja e no mundo, sem os quais a missão dificilmente conseguirá avançar.
Um trecho da oração que encerra a ‘Christifideles Laici’ resume bem a importância do ministério dos leigos e leigas para a Igreja: “Ó Virgem santíssima, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, […] Contigo damos graças a Deus, […] pela maravilhosa vocação e pela multiforme missão dos fiéis leigos, que Deus chamou pelo seu nome para viverem em comunhão de amor e de santidade com Ele e para estarem fraternalmente unidos na grande família dos filhos de Deus, enviados a irradiar a luz de Cristo e a comunicar o fogo do Espírito, em todo o mundo, por meio da sua vida evangélica. Virgem do Magnificat, enche os seus corações de gratidão e de entusiasmo por essa vocação e para essa missão.”
Quanto à participação ministerial dos religiosos na Igreja, o capítulo VI se dedica a estes que vivem a consagração de suas vidas como um sinal do Reino de Deus através dos carismas das várias famílias religiosas. Esta consagração se dá na renúncia das coisas do mundo, na prática constante da oração, na abnegação de si mesmo e na dedicação aos irmãos, entregando-se ao exercício constante das virtudes e dos conselhos evangélicos de castidade, obediência e pobreza (LG 43-47).
Para refletir:
- No seu entendimento, existe realmente fundamento para a constituição da hierarquia da Igreja? Como você vê isso?
- Você concorda com a conceituação dada ao leigo e com a definição de sua missão no mundo, estabelecida pela LG? Por quê?
- Como você entende o apostolado leigo no mundo, no que diz respeito ao seu modo de ser, viver e agir?
- Como você acha que deve ser a presença no leigo no mundo?
E-Referências
Catequese Católica – Uma Igreja Ministerial – Vocação e Ministérios
CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM SOBRE A IGREJA -Site do Vaticano
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL CHRISTIFIDELES LAICI – Site do Vaticano
CNBB: Doc. 62: Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas
Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM
LG – Ficha 04 – Vocação Universal da Santidade da Igreja e Índole escatológica da Igreja
Esta quarta Ficha da LG aborda os capítulos V e VII sobre a ‘Vocação à Santidade’ e a ‘Índole escatológica da Igreja’, respectivamente.
A vocação à Santidade
O capítulo V recorda que todos os cristãos, estejam onde estiverem, são chamados à santidade, isto é, a uma vida de profunda comunhão com o Senhor, e adesão ao projeto anunciado por Jesus Cristo. Este é o maior testemunho e a maior obra da Igreja![1]
Falar da vocação à santidade universal da Igreja, significa refletir no chamamento à santidade do Povo de Deus. Cremos que a Igreja é indefectivelmente santa, pois Cristo a amou como esposa, entregou-Se por ela, para santificá-la (cf. Ef 5,25-26), e uniu-a a Si como Seu corpo, cumulando-a com o dom do Espírito Santo. Esta santidade se manifesta nos frutos da graça que o Espírito Santo produz nos fiéis; exprime-se de muitas maneiras em cada um daqueles que, no seu estado de vida, tendem à perfeição da caridade, com edificação do próximo; e aparece de modo especial na prática dos conselhos chamados evangélicos. A prática destes conselhos, deve levar ao mundo um admirável testemunho e exemplo desta santidade. (LG 39)
Cristo, Mestre e modelo de perfeição, sempre pregou a santidade de vida que Ele é autor e consumador: “Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste” (Mt 5,48). Todos aqueles que no batismo da fé foram feitos verdadeiros filhos de Deus e participantes da natureza divina, são destinados à santidade que receberam na graça, devendo conservá-la e aperfeiçoá-la. Sejam os clérigos, os religiosos ou os leigos, todos são igualmente chamados à santidade, cada qual, de acordo com seu estado de vida. A LG exorta toda a Igreja a viver conforme a santidade pregada por Cristo, consistente no amor incondicional a Deus e ao próximo, na caridade e fraternidade, na prática constante da oração e no exercício das virtudes cristãs (LG 40).
Escrevendo sobre a santidade, Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, lembra:
“Desde a Antiga Aliança, com os Patriarcas, Deus chama o povo à santidade: “Eu sou o Senhor que vos tirou do Egito para ser o vosso Deus. Sereis santos porque Eu sou Santo” (Lv 1,44-45). O desígnio de Deus é claro: uma vez que fomos criados à sua “imagem e semelhança” (Gn 1,26), e Ele é Santo, nós devemos ser santos também. O Senhor não deixa por menos. A medida e a essência dessa santidade é o próprio Deus. São Pedro repete esta ordem dada ao povo no deserto, em sua primeira carta, convocando os cristãos a imitarem a santidade de Deus: “A exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também vós santos, em todas as vossas ações, pois está escrito: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pd 1,15-16).”[2]
Os caminhos e os meios para a santidade, passam, em primeiro lugar pela caridade que Deus difundiu em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado; em seguida, para que a caridade frutifique, é necessária a escuta atenta da Palavra de Deus e, com seu auxílio, cumprir nas obras a Sua vontade; participar ativa e frequentemente dos Sacramentos, sobretudo da Eucaristia, e nas demais celebrações litúrgicas, aplicando-se constantemente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço fraterno atuante e no exercício de todas as virtudes (LG 42).
Especialmente os cristãos, leigos e leigas, são chamados a viverem a santidade nos espaços onde estão inseridos. A começar pela família, a Igreja doméstica, os esposos devem viver a santidade no amor mútuo e no serviço um ao outro e aos filhos, proporcionando-lhes educação cristã que os insira no mundo como sal e luz. No trabalho, na política e na sociedade, homem e mulher são chamados a darem testemunhos das virtudes cristãs e de uma fé inabalável na presença salvífica do Senhor na História. Assim testemunharão a santidade da Igreja presente no mundo como luz para iluminar aqueles que jazem nas trevas.
Viver a vocação cristã é estar aberto ao chamado de Deus para realizar o que Ele pede, tal como na oração do Pai nosso que rezamos: ‘seja feita a Vossa vontade’.
Índole escatológica da Igreja
O capítulo VII aborda a índole escatológica da Igreja. Etimologicamente, escatologia diz respeito à teologia do final dos tempos, mas isso não significa que a Igreja pregue o fim do mundo. Para a doutrina católica, a escatologia diz respeito à promessa da vinda de Cristo quando, então, Ele resgatará todos, definitivamente, para o seu Reino. Enquanto isso, a Igreja espera dando testemunho de que o Reino já está entre nós. Disso nasceu a imagem da Igreja peregrina ou militante!
O texto da carta aos Filipenses (1,20-24) expõe de maneira clara que, se o Reino é o lugar definitivo para o cristão, ‘‘o morrer é lucro” (22), mas todos tem a missão de viver e testemunhar Cristo na Terra, enquanto viventes. Paulo reflete: “Fico na indecisão: meu desejo é partir desta vida e estar com Cristo, e isso é muito melhor. No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver” (Fl 1,23-24).
No comentário de D. Henrique Soares da Costa, bispo auxiliar de Aracaju, lemos o seguinte sobre a Índole escatológica da Igreja:
“Sendo Povo de Deus peregrino, a Igreja nunca pode esquecer que sua pátria é o céu e é para lá que ela deve conduzir a humanidade toda. Por isso mesmo, ela tem um papel importantíssimo neste mundo, que ninguém, a não ser ela, pode realizar: ser sinal do Reino que está para acontecer plenamente na glória. A Igreja deve despertar nos homens a saudade do céu e a fidelidade ao Cristo na terra! Por isso, tudo quanto de bom os homens construírem, tem a aprovação e solidariedade da Igreja…, mas ela sabe, que a plenitude do Reino somente se dará na Glória” [3].
Esta saudade do céu que o bispo cita, não é de forma alguma negação deste mundo, mas certeza e esperança de que ele deve ser transformado segundo os critérios do Reino. Disso nasce a missão da Igreja de empenhar-se junto a outros organismos sociais na construção de uma nova sociedade. Nesta perspectiva, os cristãos são chamados a se engajarem em movimentos alternativos que assegurem maior dignidade aos filhos de Deus. Uma música das CEB’s diz: “Queremos terra na terra, já temos terra no céu!”. É a certeza de que a maior Glória que pode ser dada a Deus é que a vida de seu povo seja defendida![4]
Ao adentrar na Índole Escatológica da Igreja peregrina e sua união com a Igreja Celeste, a LG inicia pela índole escatológica da vocação de todos os cristãos, na Igreja, explicitando que, ‘a Igreja, para a qual somos todos chamados em Cristo Jesus e na qual pela graça de Deus adquirimos a santidade, só se consumará na glória celeste, quando chegar o tempo da restauração de todas as coisas (At 3,21), e quando com o gênero humano, também o mundo todo, que está ligado intimamente com o homem e que por ele chega ao seu fim, será perfeitamente restaurado em Cristo.’ Esta restauração começou já em Cristo, foi impulsionada com a vinda do Espírito Santo e continua por meio d’Ele na Igreja – que nos faz descobrir na fé o sentido da própria vida temporal – à medida que vamos realizando, com esperança nos bens futuros, a obra que o Pai nos confiou no mundo, e vamos operando a nossa salvação (LG 48).
Enquanto estamos neste mundo como Igreja peregrina, nós nos mantemos profundamente unidos aos que já morreram e que contemplam “Deus face a face” na Igreja Celeste, através das celebrações litúrgicas e orações pessoais; e à multidão de santos e santas que nos precederam e intercedem por nós. Todos os que são de Cristo formam uma só Igreja, corpo místico, e n’Ele estão unidos entre si, por isso, a união dos que estão na terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, de maneira nenhuma se interrompe. A certeza desta união e os santos exemplos deixados por aqueles que seguiram fielmente a Cristo e muitos que o fazem ainda hoje, ajudam na santificação da Igreja, pois, todos aqueles que são constituídos em Cristo formam uma só família unida em caridade e louvor à Trindade Santa (LG 49-51).
Para refletir:
- Somos chamados à santidade em Cristo. Como podemos e devemos atender a este chamamento?
- Ao falar de índole escatológica, a Igreja prevê que no futuro, no final dos tempos, haverá uma restauração de todas as coisas. Como você entende esta afirmação?
- O que você aprendeu nesta ficha e que não conhecia anteriormente? Isso vai interferir no seu modo cristão de viver, a partir de então? Por quê?
E-Referência
Costa, Henrique Soares da, Dom: A Lumen Gentium
João Paulo II, Parusia – A Segunda Vinda de Cristo – Jornal L’Osservatore Romano, n.17 de 25/4/1998, transcrito em http://www.universocatolico.com.br/index.php?/parusia-a-segunda-vinda-de-cristo.html
Madalena, Gabriel de Sta. Maria. Vocação a Santidade em Intimidade Divina. São Paulo: Loyola, 1988, pp. 25-26, transcrito em http://www.comshalom.org/formacao/exibir.php?form_id=3186
Pe. Reinaldo, Eucaristia é Parusia
[1] Dom Henrique – A Lumen Gentium
[2] Dom Orani Tempesta – Vocação à Santidade